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7.10.2015
Joias raras de Dona Ivone Lara
O jornalista Lucas Nobile acaba de lançar o livro Dona Ivone Lara: A primeira-dama do samba (Musickeria/Sonora Editora), discobiografia pelo Sambabook, projeto que já tratou anteriormente dos sambistas João Nogueira, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho. Na pesquisa, Nobile entrevistou 60 personagens importantes na trajetória de Dona Ivone Lara, além de consultar mais de 10 mil exemplares de jornais, revistas, documentos e fotografias. Para a Rádio Batuta, o jornalista fez uma playlist com dez gravações de Dona Ivone que acabaram ofuscadas por outros sucessos da compositora, como Sonho meu, Acreditar e Alguém me avisou. E escreveu textos comentando-as.
Músicas
Amor inesquecível (Ivone Lara) – Ivone Lara
Amor aventureiro (Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola) – Ivone Lara e Jorginho do Império
Agradeço a Deus (Ivone Lara e Mano Décio da Viola) – Ivone Lara
Derradeira melodia (Ivone Lara e Delcio Carvalho) – Delcio Carvalho
Quando a maré (Antonio Caetano) – Ivone Lara e Seu Alcides “Malandro Histórico” da Portela
Quisera (Ivone Lara e Delcio Carvalho) – Ivone Lara
O meu amor tem preço (Ivone Lara) – Ivone Lara
Felicidade segundo eu (Ivone Lara e Nei Lopes) – Elizeth Cardoso e Conjunto Rosa de Ouro
Chorei, confesso (Ivone Lara e Delcio Carvalho) – Ivone Lara
Sombras na parede (Ivone Lara, Delcio Carvalho e André Lara) – Monarco
Seleção: Lucas Nobile
Edição e sonorização: Filipe Di Castro
Sobre as músicas
1. Amor inesquecível, de Ivone Lara, de 1965, cantada por Ivone Lara.
Em 1965, no mesmo ano em que compôs Os cinco bailes da história do Rio, com Silas de Oliveira e Antonio Bacalhau, e escreveu seu nome na história ao se tornar a primeira mulher a classificar um samba-enredo em uma escola do chamado “grupo especial”, Dona Ivone Lara teve pela primeira vez uma composição sua gravada em disco. Amor inesquecível, com letra e música dela, foi interpretada por Francineth, do conjunto As Gatas, no álbum Viva o samba!. O LP reunia sambas de quadras de compositores de escolas como Império Serrano (caso de Dona Ivone), Portela, Mangueira, Salgueiro e Unidos de Lucas, e também contou com as participações de Elizeth Cardoso, Cyro Monteiro e Roberto Silva. Apenas em 1974 Ivone Lara gravou este samba, em registro antológico no volume referente ao Império Serrano da coleção História das Escolas de Samba.
2. Amor aventureiro, de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, de 1974, cantada por Ivone Lara e Jorginho do Império.
Dois anos depois de apresentar ao público quatro LPs sobre música nordestina, o publicitário e pesquisador musical Marcus Pereira lançou por seu selo a série Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste, conhecida como “mapeamento musical do Brasil”. Auxiliados por um time de pesquisadores como Paulo Vanzolini, Martinho da Vila, Fernando Brant e Aluizio Falcão, os produtores Pelão (J.C. Botezelli) e Théo de Barros ouviram mais de 2.500 fitas com músicas dos compositores das duas regiões citadas. A faixa de abertura do volume 2, Amor aventureiro, ganhou interpretação primorosa de Ivone Lara e Jorginho do Império (cujo nome foi omitido da ficha técnica do álbum). A escolha da dupla para cantar aquele samba fazia todo sentido: da parte de Ivone, pelo fato de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, “tabelinha” mais importante da história do Império Serrano, terem sido parceiros importantes da compositora no início de sua carreira; da parte de Jorginho, por ele cantar muito bem e, claro, por ser filho de Mano Décio.
3. Agradeço a Deus, de Ivone Lara e Mano Décio da Viola, de 1970, cantada por Ivone Lara.
Nascida no dia 13 de abril de 1922, Yvonne da Silva Lara cresceu em um ambiente familiar extremamente musical. Mesmo tocando cavaquinho desde os 10 anos e tendo composto sua primeira música, Tiê, aos 12, formou-se enfermeira, com especialização em assistência social, e durante 37 anos dedicou-se a cuidar de doentes mentais. Apenas em 1970 ela fez sua primeira gravação em um disco. No álbum Sargentelli e o Sambão – Ao Vivo – O Botequim da Pesada, foi chamada pela primeira vez por “Dona Ivone”, em tratamento dado pelo idealizador e mestre de cerimônias do disco, Oswaldo Sargentelli, e pelo radialista e produtor Adelzon Alves. No LP, Ivone gravou duas parcerias suas com Mano Décio da Viola: Sem cavaco, Não e Agradeço a Deus, samba com uma das melodias mais inspiradas de toda a carreira da compositora. Na introdução da música, impressionado com o talento de Dona Ivone, Sargentelli pede a atenção de nomes como “Roberto Carlos, Simona [Wilson Simonal], Elis [Regina], Paulinho da Viola, Clementina [de Jesus], Vinicius [de Moraes], Milton Nascimento e Martinho da Vila” para o “gogó” da cantora.
4. Derradeira melodia, de Ivone Lara e Delcio Carvalho, de 1972, cantada por Delcio Carvalho.
Justo no dia em que morreu um importante nome na trajetória de Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira – ícone do Prazer da Serrinha e do Império Serrano e autor, junto com Ivone, de Os cinco bailes da história do Rio -, ela começou a compor com aquele que seria o parceiro mais importante de sua carreira: Delcio Carvalho. Autores de sucessos como Sonho meu, Acreditar e Liberdade, Dona Ivone e Delcio tinham tamanho entrosamento para compor que eles mesmos classificavam a parceria como “mediúnica”. No velório de Silas, Delcio escreveu a letra em homenagem ao poeta imperiano e depois a entregou para Ivone musicar. Nascia assim Derradeira melodia, gravada apenas em 2008 e lançada dois anos depois no disco Bodas de coral no samba brasileiro.
5. Quando a maré, de Antonio Caetano, de 1978, cantada por Ivone Lara e Seu Alcides “Malandro Histórico” da Portela.
Historicamente, Portela e Império Serrano representam uma das maiores rivalidades do carnaval. Em 1978, se ainda restavam dúvidas se a disputa e as provocações que envolviam o “dérbi” extrapolavam as fronteiras dos barracões e da avenida, Dona Ivone Lara tratou de colocar um ponto final nas especulações. Lançado em 1978, seu primeiro disco solo, Samba, minha verdade, samba, minha raiz, estampava na capa e na contracapa fotos (tiradas no quintal da casa de Manacéa, figura icônica da Portela) de Ivone rodeada de nomes importantes do Império e da rival de Oswaldo Cruz. Além disso, a cantora e compositora gravou duas composições assinadas pelos portelenses Nilson Gonçalves (Chegou quem faltava) e Antonio Caetano (Quando a maré) em duetos lindíssimos com Seu Alcides “Malandro Histórico” da Portela.
6. Quisera, de Ivone Lara e Delcio Carvalho, de 1979, cantada por Ivone Lara.
Entre os dias 22 e 26 de novembro de 1976, Dona Ivone Lara e Cartola dividiram o palco do teatro João Caetano, no Rio, no encerramento da primeira temporada do projeto Seis e Meia. Mais de dois anos antes da apresentação, a dupla já era comparada pela imprensa carioca, que apelidara Ivone de “Cartola de saias”. De fato, se havia semelhanças entre o estilo de compor dos dois, com melodias sinuosas e dotadas de extremo lirismo, elas ficavam escancaradas no registro de Quisera, samba de Ivone e Delcio Carvalho, gravado por ela em seu segundo álbum solo, Sorriso de criança, de 1979.
7. O meu amor tem preço, de Ivone Lara, de 1979, cantada por Ivone Lara.
Em 1979, Dona Ivone Lara já era uma figura conhecida nacionalmente. Àquela altura, quatro de seus principais sucessos eram assinados por ela e Delcio Carvalho: Sonho meu, Acreditar, Liberdade e Alvorecer. Sendo assim, ao longo de sua carreira bastava uma música de Dona Ivone se tornar conhecida para que os mais apressados afirmassem: “Esta é de Dona Ivone e Delcio Carvalho”. De fato, a dupla rendeu ao cancioneiro brasileiro inúmeras joias, mas Ivone também se mostrou uma compositora completa, capaz de escrever música e letra sozinha. Dos sambas feitos apenas por ela, o mais consagrado seria Alguém me avisou, mas ela também gravou outras obras-primas de sua autoria exclusiva, como O meu amor tem preço, lançada também no disco Sorriso de criança, de 1979, com melodia e divisão rítmica muito originais.
8. Felicidade segundo eu, de Ivone Lara e Nei Lopes, de 1986, cantada por Elizeth Cardoso e Conjunto Rosa de Ouro.
No ano de 1965, durante a seleção de repertório e dos intérpretes do disco coletivo Viva o samba!, por pouco Ivone Lara não contou com a sorte de ter sua primeira composição a ser gravada em um álbum, Amor inesquecível, interpretada por Elizeth Cardoso. Na peneira feita pelo produtor Moacyr Silva, quem acabou defendendo aquele samba foi a cantora Francineth. Vinte e um anos depois, no LP Luz e esplendor, Dona Ivone finalmente teve uma composição sua cantada pela “Divina”. No registro de Felicidade segundo eu, uma das raras parcerias entre Ivone e Nei Lopes, um time que dispensava maiores apresentações: Elizeth (voz), Paulinho da Viola (voz e violão), Elton Medeiros (caixinha de fósforos), Sereno (tantã), Rildo Hora (gaita) e Dona Ivone Lara com uma de suas marcas registradas, o contracanto melodioso e de improviso.
9. Chorei, confesso, de Ivone Lara e Delcio Carvalho, de 2001, cantada por Ivone Lara.
Em 1999, quando lançou o 19º disco de sua carreira, o grupo Fundo de Quintal emplacou dois grandes sucessos nas rádios, Chega pra sambar, que batizava o álbum, e Nosso grito. Com os ouvidos voltados para estes dois sambas, Chorei, confesso, bela composição de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho, acabou passando despercebida pelos ouvintes na voz de Sereno. Dois anos depois, a música ganhou uma nova chance de se tornar mais conhecida, desta vez no disco Nasci pra sonhar e cantar, da própria autora. Mesmo com interpretação de Dona Ivone, melodia e letra muito bem encaixadas e ótimas sacadas harmônicas, a canção seguiu como uma joia oculta no repertório de Ivone e Delcio Carvalho.
10. Sombras na parede, de Ivone Lara, de Delcio Carvalho e André Lara, de 2012, cantada por Monarco.
Último disco lançado pela artista, O baú da Dona Ivone, de 2012, reuniu diversos convidados para interpretar, como o próprio título do álbum sugeria, composições de Dona Ivone que permaneciam inéditas. Das 12 faixas do disco, destaque para um dos sambas injustamente pouco conhecidos da autora, Sombras na parede. A parceria entre Delcio Carvalho, Ivone e seu neto, André Lara, ganhou voz em uma verdadeira aula de interpretação de Monarco, ícone da Velha Guarda da Portela. A letra ainda trazia achados poéticos como “O samba é meu feitiço/ A ele vou me entregar/ Com todo aquele prazer/ Que tu pensas que vai levar”.