Corajosa, a quase centenária Carmen Costa (1920-2007) soube usar a elegância de sua voz, com timbre grave e aveludado inconfundível, para quebrar barreiras. No fim da década de 1930, foi uma das primeiras cantoras negras a conseguir espaço e destaque num mercado fonográfico misógino e racista. Nos anos 1950, chocou os ouvidos moralistas e ficou marcada por sua interpretação de “Eu sou a outra” (Ricardo Galeno), cujos versos diziam: “Ele é casado e eu sou a outra/ Que o mundo difama/ Que a vida, ingrata, maltrata/ E, sem dó, cobre de lama”.

Com produção do radialista Simon Khoury, Carmen Costa lançou um álbum homônimo em 1980, encerrando um jejum que já durava seis anos desde o disco espetacular em que, ao lado do cantor Paulo Marquez, ela interpretava composições de Paulo Vanzolini.

“Carmen Costa”, que foi relançado já no ano seguinte, em 1981, com o apropriado título “A grande dama da música brasileira”, trazia novamente a marca da ousadia da intérprete fluminense.

Reunindo autores de diferentes estilos e gerações (de Noel Rosa a Zé Ramalho, de Cartola a Aldir Blanc, de Lupicínio Rodrigues a Chico Buarque, de Fafy Siqueira a Assis Valente), Carmen Costa interpreta 12 canções que versam sobre o universo da prostituição.

Musicalmente, embora os arranjos sejam assinados pelo renomado J.T. Meirelles – com participação de músicos que dispensam apresentações, como Ed Maciel (trombone), Jamil Joanes (baixo), Joel Nascimento (bandolim) e Maurício Einhorn (gaita) –, a sonoridade elétrica do álbum destoa um pouco da estética que caracterizou a carreira da cantora. Ainda assim, como escreve Aldir Blanc na contracapa do LP, “um novo disco da grande Carmen Costa é um acontecimento em nossa música”.

Repertório

Lado 1

Dama do cabaré (Noel Rosa)

Janete (Faffy e Sarah Benchimol)

Garoto de aluguel (Zé Ramalho)

Eu é que não presto (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Augusto Martins)

Marília de Dirceu (Octávio Burnier e Aldir Blanc)

Valsa do bordel (Toquinho e Vinicius de Moraes)

Lado 2

Boneca de pano (Assis Valente)

Vício (Linda Rodrigues e José Braga)

Morena (Dalto)

O mundo é um moinho (Cartola)

Garota do dancing (Alberto Ribeiro e Jorge Faraj)

Sob medida (Chico Buarque)

Seleção e texto: Lucas Nobile